A ciência desempenha um papel muito importante no mundo contemporâneo. Não era assim há poucas gerações atrás: o desenvolvimento científico têm-se acelerado enormemente. Tornou-se lugar comum dizer-se que vivemos numa sociedade tecnológica e medir o progresso pelo grau de desenvolvimento tecnológico. A tecnologia depende crucialmente da ciência para provar-se e também contribui para ela, mas não devem ser confundidas.
Sem dúvida, nossas vidas são profundamente afetadas pela tecnologia, e de forma que muitas vezes está longe de ser benéfica. Basta lembrar os problemas da poluição, do suposto aquecimento global, das guerras.... Os cientistas são frequentemente responsabilizados pelos aspectos negativos decorrentes de suas descobertas. A ciência não é boa nem má, embora o uso que delas se faz dependa de fatores políticos e econômicos alheios a sua vontade. Por isso mesmo os cientistas devem ter consciência de sua responsabilidade.
Vários problemas cruciais de nossa época dependem para sua solução de avanços científicos e tecnológicos, inclusive aqueles que originam direta ou indiretamente desses avanços. Os problemas de energia e do meio ambiente adquiriram importância vital.
A reação anticientífica existiu desde os primórdios da história da Física. Basta lembrar o exemplo de Galileu. Goethe atacou Newton por sua Teoria das Cores, dizendo que a essência das cores se percebe num por do Sol e não fazendo experiencias com um prisma.
É preciso reconhecer que a visão científica do mundo não exclui nem invalida outras variedades da experiência. Podemos aplicar a acústica, a neurofisiologia e a psicologia ao estudo das sensações provocadas pela audição de uma sonata de Mozart, mas ainda estaríamos omitindo provavelmente o aspecto mais importante.
A consciência das limitações do método científico não nos deve impedir de apreciar sua imensa contribuição ao conhecimento da natureza. A motivação básica da ciência sempre tem sido a de entender o mundo. É a mesma curiosidade que leva uma criança a desmontar um relógio para saber como ele funciona. De que são feitas essas coisas? Como e por que se movem os corpos celestes? Qual é a natureza da eletricidade e do magnetismo? O que é a luz? Qual a origem do Universo? Estas são algumas das grandes questões que têm sido abordadas pelos físicos.
A experiência tem demonstrado que o trabalho de pesquisa básica, motivado exclusivamente pela curiosidade, leva com frequência a aplicações inesperadas de grande importância prática. O grande experimentados Michael Faraday, logo após uma conferência em que havia explicado seu recente descobrimento do fenômeno da indução eletromagnética, foi questionado por alguém da audiência, que queria saber para que servia o efeito. A resposta foi "Para que serve um bebê recém-nascido?". Quase todas as aplicações que fazemos hoje em dia da energia elétrica decorrem do efeito descoberto por Faraday. O transistor, o laser, os computadores, todos resultam de pesquisas básicas de física.O trabalho de muitas gerações demonstrou a existência de ordem e regularidade nos fenômenos naturais, daquilo que chamamos Leis da Natureza. O estudo que ora iniciamos pode ser empreendido pelos mais diversos motivos, mas uma de suas maiores recompensas é uma melhor apreciação da simplicidade, beleza e harmonia dessas leis. É uma espécie de milagre, como disse Einstein: "O que a natureza tem de mais incompreensível é o fato de ser compreensível".A física é em muitos sentidos a mais fundamental das ciências naturais e é também aquela cuja formulação atingiu o maior grau de refinamento.
Com a explicação da estrutura atômica fornecida pela mecânica quântica, a Química pode ser considerada, de certa forma, como sendo um ramo da Física. A Física forneceu a explicação da ligação química e a estrutura e propriedades das moléculas podem ser calculadas, em princípio, resolvendo problemas de Física. Isto não significa que o sejam na prática, exceto em alguns casos extremamente simples. De fato, na imensa maioria dos casos, os sistemas químicos são demasiado complexos para serem tratáveis fisicamente, mesmo com auxílio de computadores poderosos, o que significa que os métodos específicos extremamente engenhosos elaborados pelos químicos para tratar estes problemas continuam sendo indispensáveis. Entretanto, não temos razões para duvidar de que as interações básicas responsáveis pelos processos químicos sejam já conhecidas e reduzidas a termos físicos.
A situação com respeito à Biologia é até certo ponto análoga, se bem que a compreensão em termos de leis físicas se encontra ainda num estágio muito mais primitivo. Muitas das peculiaridades dos sistemas biológicos resultam de serem eles fruto de uma evolução histórica (a teoria de Darwin da evolução das espécies é fundamental na Biologia), fator este que não é usualmente considerado para sistemas físicos. Entretanto, os avanços recentes da biologia molecular têm atuado no sentido de estabelecer uma maior aproximação entre a Biologia e a Física, e a evolução do Universo é o tema central da Cosmologia.
A Física deve grande parte de seu sucesso como modelo de ciência natural ao fato de que sua formulação utiliza uma linguagem que é ao mesmo tempo uma ferramenta muito poderosa: a Matemática. Na expressão de Galileu: "A ciência está escrita neste grande livro colocado sempre adiante de nossos olhos - O Universo - mas não podemos lê-lo sem aprender a linguagem e entender os símbolos em termos dos quais está escrito. Este livro está escrito na linguagem matemática".
É importante compreender bem as relações entre Física e Matemática. Bertrand Russel definiu a matemática como: "A ciência onde nunca se sabe de que se está falando nem se o que se está dizendo é verdade" para caracterizar o método axiomático: tudo é deduzido de um conjunto de axiomas, mas a questão da "validade" desses axiomas no mundo real não se coloca. Hilbert, ao axiomatizar a geometria disse que nada deveria se alterar se as palavras "ponto, reta, plano" fossem substituídas por "mesa, cadeira, copo". Conforme o conjunto de axiomas adotado, obtém-se a geometria euclidiana ou uma das geometrias não-euclidianas, mas não tem sentido perguntar, do ponto de vista da matemática, qual delas é "verdadeira".
Na Física, como ciência natural, essa pergunta faz sentido: qual é a geometria do mundo real? A experiência mostra que, na escala astronômica, aparecem desvios da geometria euclidiana.
A Física é muitas vezes classificada como "ciência exata", para ressaltar seus aspectos quantitativos. Já no século VI a.c, a descoberta pela Escola Pitagórica de algumas das leis das cordas vibrantes, estabelecendo uma relação entre sons musicais harmoniosos e números inteiros.
Embora a formulação em termos quantitativos seja muito importante, a Física também lida com muitos problemas interessantes de natureza qualitativa. Isto não significa que não requerem tratamento matemático: algumas das teorias mais difíceis e elaboradas da Matemática moderna dizem respeito a métodos qualitativos.
A observação e a experimentação são o ponto de partida e ao mesmo tempo o teste crucial na formulação das leis naturais. A física, como ciência natural, parte de dados experimentais. Por outro lado, o bom acordo com a experiência é o juiz supremo da validade de qualquer teoria científica. Assim, o diálogo Hegeliano: "Só pode haver sete planetas. Mas isso contradiz os fatos! Tanto pior para os fatos!", representa o oposto da atitude científica. A única autoridade reconhecida como árbitro decisivo da validade de uma teoria é a verificação experimental de suas consequências.
Entretanto, "embora a ciência se construa com dados experimentais, da mesma forma que uma casa se constrói com tijolos, uma coleção de dados experimentais ainda não é ciência, da mesma forma que uma coleção de tijolos não é uma casa" (Poincaré).
A primeira Lei da Ecologia é: "Tudo depende de tudo". É por isso que problemas ecológicos são tão complexos. Em certa medida, o mesmo vale para a Física ou qualquer outra ciência natural. Quando uma maçã cai da árvore, o movimento da Terra sofre uma perturbação, infinitesimal, mas sofre, e ele também é afetado pelo que acontece em galáxias extremamente distantes. Entretanto, seria impossível chegar em formulação de leis naturais se procurássemos levar em conta desde o início, no estudo de cada fenômeno, todos os fatores que possam influenciá-lo, por menor que seja a influência.
O primeiro passo no estudo de um fenômeno natural consiste em fazer abstração de grande número de fatores considerados inessenciais, concentrando a atenção apenas nos aspectos mais importantes. O julgamento sobre o que é ou não importante já envolve a formulação de modelos e conceitos teóricos, que representam, segundo Einstein, uma "livre criação da mente humana".
Um bom exemplo é o conceito de "partícula" na mecânica. Na geografia, em que o globo terrestre é o principal objeto de estudo, é preciso, para muitos fins, levar em conta as irregularidades da crosta terrestre. Ao estudar o movimento de rotação da Terra em torno de seu eixo, podemos considerá-la, em primeira aproximação, como uma esfera rígida uniforme. Já quando estudamos o movimento de translação da Terra em torno do Sol, considerando que o diâmetro da Terra é menor que um décimo-milésimo de sua distância ao Sol, podemos desprezar suas dimensões, tratando-a como partícula ou um ponto material.
A arte do teórico está em julgar o que e como abstrair, o que é essencial e o que é acessório. O experimentador enfrenta problemas análogos: eliminar "efeitos espúrios" e medir apenas o efeito desejado é extremamente difícil. Só recentemente se descobriu que o Universo inteiro é atravessado por radiação eletromagnética, proveniente da Grande Explosão da qual se teria originado, e que pode produzir efeitos importantes na escala quântica.
Uma vez atingido certo estágio no desenvolvimento de conceitos e modelos, pode-se procurar, através de um processo indutivo, formular leis fenomenológicas, ou seja, obtidas diretamente a partir dos fenômenos observados, como forma sintética e mais econômica que têm sido empregados na formulação de leis físicas.
Um exemplo clássico deste processo foi a formulação das Leis de Kepler do movimento planetário a partir das obervações feitas por Tycho Brahe. Neste caso, a etapa anterios que culminou na obra de Newton, foi a formulação das Leis Gerais do Movimento e da Lei da Gravitação Universal. O resultado foi a elaboração de uma nova teoria física, a teoria da gravitação, situada dentro de uma teoria mais ampla, a mecânica clássica.
Uma teoria deve ser sempre explorada em todas as direções possíveis, no sentido de verificação de suas previsões. Um dos maiores triunfos da teoria da gravitação universal foi a predição da existência da existência de Netuno, feita por Adams e Le Verrier em 1846.
Todas as teorias físicas conhecidas sempre têm representado aproximações aplicáveis num certo domínio da experiência. Assim, por exemplo, as leis da mecânica clássica são aplicáveis aos movimentos usuais dos objetos macroscópicos, mas deixam de valer para velocidades comparáveis com a velocidade da luz e para objetos na escala atômica.
Entretanto, uma revolução científica raramente inutiliza por completo as teorias precedentes. A validade aproximada dessas teorias no domínio em que já haviam sido testadas experimentalmente garante em geral, sua sobrevivência nesse domínio. Assim, a mecânica clássica continua sendo aplicável a uma grande variedade de movimentos macroscópicos.
Uma nova teoria representa em regra uma generalização da antiga, estendendo-a a um domínio mais amplo, mas contendo-a muitas vezes num caso particular ou caso limite, válido aproximadamente no domínio anterior. Isto não impede que os conceitos básicos da nova teoria possam diferir radicalmente dos anteriores.
O processo de seleção natural pelo qual passam as teorias científicas exige que sejam sempre submetidas a uma ampla crítica pela comunidade científica internacional e ao maior número de testes experimentais. Por isso o segredo e o dogma são inimigos da ciência e a liberdade de comunicação e da pesquisa são vitais para o seu florescimento.
Texto de H. Moysés Nussenzveig, retirado do livro Curso de Física Básica V.1